A SÍNDROME DA PARANÓIA
Se paranóia tivesse nacionalidade, seria norte-americana. Indubitavelmente. Salvas as exceções de praxe, os vizinhos da “América de Cima” desbancam, de longe, qualquer um de nós. Primos pobres que somos, perdemos feio em matéria de paranóia. E olha que em tudo tentamos copiá-los! A explicação? Talvez não sejamos tão criativos. Talvez tenhamos imaginação ridícula e limitada. Talvez só usemos, mesmo, dez por cento da nossa cabeça animal. Talvez, talvez, talvez. O certo é que, neste particular, estamos a Anos-luz de alcançá-los.
E se é verdade que a “arte imita a vida”, basta uma ligeira espiada na galeria de filmes vindos de lá para compreender, ou pelo menos tentar, o paranóico American way of life. Eu, que não morro de amores pelo cinemão hollywoodiano, já perdi as contas de quantas vezes, por exemplo, Nova Iorque foi dizimada nas telonas. Haja criatividade! Já vi de um tudo! Extraterrestre soltando raios, vilões intergalácticos cuspindo fogo, naves espaciais centrifugando homens e carros. Já vi a Big Appel virar pó nas mãos de terroristas árabes, sucumbir à força da natureza e ao poder invisível de vírus e pragas e pestes terríveis. Gostar, não gosto. Mas me divirto um bocado! Também, pudera! Eles exercitam a imaginação até os últimos limites da sanidade mental. E isso, em certos aspectos, reflete, sim, a paranóia coletiva instaurada naquele país.
Lá, naquelas terras do Norte, se o sujeito é gringo, usa barba farta e não tem o esmaecido tom de pele dos americanos, corre o risco de nem passar do aeroporto. Se passa, corre o risco de ser farejado até dar meia-volta. Se não volta, vive à espreita, como caça, escapando do Serviço de Imigração feito o Diabo foge da Cruz. A rigidez faz sentido, é claro, sobretudo depois que as famosas Torres Gêmeas foram impiedosamente riscadas do mapa. Mas faz sentido até certo ponto. A nós, primos pobres e levemente mais lúcidos, nos parece que o delírio crônico instalou-se naquele país e grassa numa naturalidade impressionante, a ponto, inclusive, de extrapolar fronteiras e vir bater aqui, em nossa porta.
Impossível não citar, como exemplo, a meteórica visita da Secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, à Cidade do São Salvador. Quem viu, de perto, o aparato montado para garantir a segurança da sempre sorridente Ms. Rice certamente se imaginou num set de cinema. Além de paranóicos, me pareceram extremamente exagerados nossos ilustríssimos visitantes. Num Centro Histórico repentinamente “higienizado”, sem meninos pedintes saltando nos pescoços nem lixo brotando de esquina em esquina, os agentes da polícia norte-americana desfilaram todo o seu poderio e arrogância. Óculos escuros e armas em punho, zanzaram para lá e para cá, inspecionando cada minúsculo espaço, cada buraco recôndito por onde passavam como se nós, logo nós, planejássemos o mais terrível dos ataques terroristas. Ora! Que ataque poderíamos urdir? E ainda mais no Pelourinho? Para quê cargas d’água iríamos nós atentar contra a vida da sempre “adocicada” Candy Rice? Ainda que tivéssemos ojeriza ao presidente a quem ela representa e aversão à sua política internacional do “guela-abaixo”, que submete países pobres e em desenvolvimento e solapa soberanias ao grau mais rasteiro, ainda assim não teríamos motivo que explicasse todo aquele pavor desembarcado. Só a paranóia norte-americana justifica, em síntese, o “circo” de língua estrangeira armado no Pelourinho.
E como se assistisse a mais um filme-paranóia, gozei de divertidos momentos acompanhando aquele elenco bizarro, de peles claras e paletós escuros, cozinhando nas ruas de pedras do Centro Histórico, embaixo de um generoso sol de meio-dia. Acostumados ao calor senegalês das manhãs de verão nesta terra da Bahia, pararam os baianos, em multidão curiosa, a espreitar, de perto e de longe, furando aqui e acolá o portentoso esquema de segurança, aquela inusitada movimentação de homens e mulheres excessivamente brancos. Para todos, ou pelo menos para a maioria, nada daquilo fazia muito sentido. No semblante de cada um, a expressão de estranhamento. Na lógica baiana, não havia razão para homens mirarem suas armas pesadas, no topo das igrejas seculares, em direção àqueles que só queimavam poucos minutos do tempo xeretando tão invulgar vai-e-vem. Não havia razão para carros apressados, escuros e blindados, cortarem em velocidade os becos, ladeiras e vielas seculares, com pencas de policiais pendurados, como se estivessem em exercício de guerra. Na lógica baiana, nossa, Condoleezza Rice ou a Rainha da Inglaterra, naquele momento, inspirariam a mesma curiosidade, a mesma admiração. Somente.
Por isso, depois de alguns breves minutos bisbilhotando aquele intenso movimento, um preto velho, lá para seus oitenta e tantos anos, engatou marcha ré e saiu tranqüilo, no manso passo baiano, subindo a ladeira como se tivesse toda a eternidade à sua disposição. Alheio à presença da Secretária Rice, delegada-maior do presidente Bush, o velho nagô ganhou seu rumo... Da mesma forma que a paranóia norte-americana ganhou o dela, horas depois, para nossa felicidade.
E se é verdade que a “arte imita a vida”, basta uma ligeira espiada na galeria de filmes vindos de lá para compreender, ou pelo menos tentar, o paranóico American way of life. Eu, que não morro de amores pelo cinemão hollywoodiano, já perdi as contas de quantas vezes, por exemplo, Nova Iorque foi dizimada nas telonas. Haja criatividade! Já vi de um tudo! Extraterrestre soltando raios, vilões intergalácticos cuspindo fogo, naves espaciais centrifugando homens e carros. Já vi a Big Appel virar pó nas mãos de terroristas árabes, sucumbir à força da natureza e ao poder invisível de vírus e pragas e pestes terríveis. Gostar, não gosto. Mas me divirto um bocado! Também, pudera! Eles exercitam a imaginação até os últimos limites da sanidade mental. E isso, em certos aspectos, reflete, sim, a paranóia coletiva instaurada naquele país.
Lá, naquelas terras do Norte, se o sujeito é gringo, usa barba farta e não tem o esmaecido tom de pele dos americanos, corre o risco de nem passar do aeroporto. Se passa, corre o risco de ser farejado até dar meia-volta. Se não volta, vive à espreita, como caça, escapando do Serviço de Imigração feito o Diabo foge da Cruz. A rigidez faz sentido, é claro, sobretudo depois que as famosas Torres Gêmeas foram impiedosamente riscadas do mapa. Mas faz sentido até certo ponto. A nós, primos pobres e levemente mais lúcidos, nos parece que o delírio crônico instalou-se naquele país e grassa numa naturalidade impressionante, a ponto, inclusive, de extrapolar fronteiras e vir bater aqui, em nossa porta.
Impossível não citar, como exemplo, a meteórica visita da Secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, à Cidade do São Salvador. Quem viu, de perto, o aparato montado para garantir a segurança da sempre sorridente Ms. Rice certamente se imaginou num set de cinema. Além de paranóicos, me pareceram extremamente exagerados nossos ilustríssimos visitantes. Num Centro Histórico repentinamente “higienizado”, sem meninos pedintes saltando nos pescoços nem lixo brotando de esquina em esquina, os agentes da polícia norte-americana desfilaram todo o seu poderio e arrogância. Óculos escuros e armas em punho, zanzaram para lá e para cá, inspecionando cada minúsculo espaço, cada buraco recôndito por onde passavam como se nós, logo nós, planejássemos o mais terrível dos ataques terroristas. Ora! Que ataque poderíamos urdir? E ainda mais no Pelourinho? Para quê cargas d’água iríamos nós atentar contra a vida da sempre “adocicada” Candy Rice? Ainda que tivéssemos ojeriza ao presidente a quem ela representa e aversão à sua política internacional do “guela-abaixo”, que submete países pobres e em desenvolvimento e solapa soberanias ao grau mais rasteiro, ainda assim não teríamos motivo que explicasse todo aquele pavor desembarcado. Só a paranóia norte-americana justifica, em síntese, o “circo” de língua estrangeira armado no Pelourinho.
E como se assistisse a mais um filme-paranóia, gozei de divertidos momentos acompanhando aquele elenco bizarro, de peles claras e paletós escuros, cozinhando nas ruas de pedras do Centro Histórico, embaixo de um generoso sol de meio-dia. Acostumados ao calor senegalês das manhãs de verão nesta terra da Bahia, pararam os baianos, em multidão curiosa, a espreitar, de perto e de longe, furando aqui e acolá o portentoso esquema de segurança, aquela inusitada movimentação de homens e mulheres excessivamente brancos. Para todos, ou pelo menos para a maioria, nada daquilo fazia muito sentido. No semblante de cada um, a expressão de estranhamento. Na lógica baiana, não havia razão para homens mirarem suas armas pesadas, no topo das igrejas seculares, em direção àqueles que só queimavam poucos minutos do tempo xeretando tão invulgar vai-e-vem. Não havia razão para carros apressados, escuros e blindados, cortarem em velocidade os becos, ladeiras e vielas seculares, com pencas de policiais pendurados, como se estivessem em exercício de guerra. Na lógica baiana, nossa, Condoleezza Rice ou a Rainha da Inglaterra, naquele momento, inspirariam a mesma curiosidade, a mesma admiração. Somente.
Por isso, depois de alguns breves minutos bisbilhotando aquele intenso movimento, um preto velho, lá para seus oitenta e tantos anos, engatou marcha ré e saiu tranqüilo, no manso passo baiano, subindo a ladeira como se tivesse toda a eternidade à sua disposição. Alheio à presença da Secretária Rice, delegada-maior do presidente Bush, o velho nagô ganhou seu rumo... Da mesma forma que a paranóia norte-americana ganhou o dela, horas depois, para nossa felicidade.